Por:Osvaldo Ruy Junior
Parte 2
Ao chegar em casa Atadolfo esperava ter o sossego que lhe faltara no escritório, mas infelizmente o quadro não se alterava, no lugar das cobranças de seu chefe, ouvia as cobranças da mulher, que muitas vezes não conseguia enxergar as dificuldades de um Paulistano em levar dignidade para ele e sua família. Seu único motivo de alegria era ver seus filhos, mas a ilusória sensação se esvaia ao ouvir os mesmos pela porta entre aberta do quarto se queixando da falta de um vídeo game de última geração, nosso pobre cidadão ás vezes nem chegava a entrar no quarto, e já seguia para seu banho, era muito duro ralar tanto, ouvir muito, e no final do mês não ter o direito de gozar com as pessoas que amava o suor de sua labuta. A cada decepção, a cada dia difícil sua alma secava, seu orgulho combalia, nem no futebol Atadolfo conseguia ser feliz, seu time o Corinthians, seguia a passos firmes para a segunda divisão, certa vez chegou a chorar ao ver seu Timão sucumbir em pleno Pacaembu, tentou esconder o choro de seus filhos, não queria que os pimpolhos enxergassem fraqueza em seu progenitor. Quase em desespero soltou o grito –“Vai curintiá!”
Os dias seguiam aumentando a “Ode de Agonia”, tal qual a Triunfal, uma rotina de sensações, estímulos visuais, e sonoros, certo dia foi assaltado na lotação, foram minutos de muita tensão, e no final Atadolfo não sabia se achava aquilo bom ou ruim, afinal aquele fato mesmo medonho com risco de morte, havia por certo tempo alterado sua rotina, mas quando o sangue esfriou a imagem do terror impedia o pobre de querer repetir a dose, e a adrenalina deu lugar ao medo, já não se sentia mais seguro na cidade, e o medo não se restringia a ele, mas também que algo terrível pudesse assolar seus filhos.
A três dias de seu derradeiro pulo, o metropolitano personagem, multiplicava suas angustias, algo estava fora da ordem, fora de controle, ele não controlava mais a sua vida, e sim, era controlado pela cidade, ela estava no comando, e a única coisa que passava em sua cabeça era o desejo de voar, desejo este que nutria desde a infância, mas fora obrigado a abdicar do sonho de ser piloto para cumprir com seu dever, pois havia engravidado sua então namorada e hoje esposa. Sua vida á partir daquele momento tomou outro rumo, voar já não era mais algo ao seu alcance, tinha toda responsabilidade do mundo em suas costas, e diga-se de passagem se saiu bem criando mulher e filhos, mas a cidade é implacável, ela cobra seu preço, te sustenta, te da estabilidade, mas te consome, dia á dia as pessoas se respeitam cada vez menos, manipuladas por esta vilã de concreto, ela joga com as pessoas exigindo delas um egoísmo burro, a ponto de um dia antes de seu último pulo, descobrir que sua esposa havia mudado, e além de negar-lhe amor, ainda dividia o mesmo com seu melhor amigo, a dupla traição de inicio causou-lhe repulsa e indignação, mas posteriormente já anestesiado com tudo que vivera, não teve reação, estava entregue, não conseguia formular nenhuma linha de raciocínio.
Enfim o dia de seu pulo... Ah que dia, acordou com enxaqueca, o café estava muito doce, aquilo pela manhã já o irritava enormemente, na rua os mesmos problemas com a condução, ao chegar perto do ponto viu seu ônibus seguir seu trajeto, agora seriam mais meia hora para passar o próximo coletivo, e sem dúvida muito mais lotado, mais uma vez chegou atrasado no escritório, dia quente, o barulho do velho ventilador TEC...TEC...VRUMMM...TEC...TEC...TEC...VRUMMMM, eram como hipnose bombardeando o cérebro de Atadolfo com imagens, ele já não respondia por seus atos, estava em outro tempo, em outro lugar, bloqueando tudo e todos, só existia alguns estímulos, o pobre homem havia voltado ao primeiro estágio da evolução humana, e ao terminar o expediente, mal levou suas coisas, esquecendo chaves de casa e seu guarda chuva, ao entrar no metrô viu um cartaz de um homem com asas, e naquele momento, exatamente naquele momento, Atadolfo descobriu... Ele também podia voar, sim por que não? Se realmente acredita-se poderia voar! Seu sonho de infância iria se realizar, ele finalmente iria voar!
O restante da história vocês já conhecem, Atadolfo subiu em um prédio e pulou...Pulou não por querer dar cabo a sua vida, pulou por acreditar que pelo menos uma vez em sua vida poderia realizar seus sonhos, atordoado por um sistema brutal, limitando seu raciocínio. Nosso personagem sucumbiu, não resistiu ás exigências de um mundo cada dia mais frenético, e tão competitivo que desafia o bom senso e o respeito ao ser humano. Estamos chegando ao limite, ele não pulou por um dia difícil, mas sim, pelo fato de a cada dia uma gota cair no copo, soando assim como o barulho do ventilador: TEC...TEC...TEC, e certo dia transbordou, neste dia Atadolfo voou, mas como diria Douglas Adams, a arte de voar consiste em pular e errar o chão, mas como sabemos não foi o caso.
Podemos voar, basta em nossas mentes estarmos ativos, e dispostos a isso, mas não voar no literal, e sim voar em nossas almas, somos ilimitados naquilo que acreditamos, transforme sua vida, lute pelos seus sonhos, não julgue e nem sucumba como fez Atadolfo. Pratique respeito, tolerância, e solidariedade no seu dia á dia, e nunca deixe de sonhar. Agindo assim você irá alçar vôos menos breves que o do pobre Atadolfo.
FIM
Given To Fly (tradução)
Capaz de voar
Pearl Jam
Composição: Pearl Jam
Ele poderia ter se acertado, acertado, mas ele não se acertou
Tempos difíceis, nada poderia salvá-lo
Sozinho num corredor, esperando, trancado
Ele saiu de lá, correu por centenas de milhas
Foi até o oceano
Fumou em uma árvore
O vento se levantou, colocando-o de joelhos
Uma onda surgiu quebrando como um murro no queixo
Entregando-lhe asas, "Ei, olhe para mim agora..."
Braços bem abertos tendo o mar como chão
Oh, oh, ohhh...
Ele está.. voando!
Woah!Inteiro! Woah! Oh...
Ele flutuou de volta para baixo porque queria compartilhar
sua chave para os cadeados nas correntes que ele viu em toda parte
Mas primeiro ele foi despido, e então foi ofendido
Por homens descarados, bem... Ele ainda está de pé.
E ele ainda entrega seu amor, ele simplesmente o entrega
O amor que ele recebe é o amor que está salvo
E às vezes é visto um ponto estranho no céu
Um ser humano que é capaz de voar
Voando! Woah...
Inteiro! Voando! Woah...
Voando Woah...
Oh Woah...